O que é o pecado?

Quando ouvimos a palavra pecado logo pensamos numa religiosidade austera e regada de dogmatismos que os mais velhos sempre insistem, contudo, o significado do pecado possui um valor pragmático importantíssimo para o caminho iniciático cristão.
Pecado significa errar, corromper a nossa alma. O conhecimento comum diz que o pecado nos afasta de Deus, nos leva ao inferno, como se Deus fosse um pai austero que pune os seus filhos desobedientes, mas devemos lembrar que até um pai que pune seus filhos tem suas razões para prepará-los para a vida adulta, assim como Deus procura nos preparar para uma vida superior. Entretanto, não somos "punidos" por Deus, mas trilhamos o nosso próprio caminho distante de Deus, um caminho de sofrimento.
Siddhartha Gautama já dizia que o sofrimento provém do desejo, e Cristo reafirmou isto quando propôs o afastamento dos desejos, uma vida regada na simplicidade, na partilha e no perdão. Afinal, o desejo cega o homem, faz com que ele seja tomado por seus instintos e se distancie da razão. 
Muito ouvimos que o pecado leva ao inferno. Podemos dizer que o inferno em que o pecador cai está dentro de sua própria consciência, e, numa visão mais espiritualista, em sua própria consciência até depois da morte. O inferno é o resultado das mágoas, rancores, vícios, remorsos e todos esses sentimentos destrutivos que o pecado causa, que acabam nos prendendo, não nos libertando.
O pecado nos afasta de Deus e, por consequência, de nossa própria perfeição. Somos seres instáveis desejando nos tornar estáveis. Portanto devemos limpar nossos erros, nos tornarmos puros em pensamentos e ações. "Bem-aventurados os puros de coração, porque eles verão a Deus." (Mateus 5:8).
Os sete pecados capitais são: preguiça, inveja, luxúria, orgulho, ira, gula e avareza. Não convém aqui focarmos nos graus de pecados, mas sim seus efeitos em nossa consciência e nossos atos. 

O pecado e a fé

A via cardíaca é o cerne da mística cristã, onde expandimos nossa alma e somos capazes de nos concentrarmos em profunda meditação. Por mais que haja instruções de como meditar ou métodos diversos de meditação, esse ato nunca é fácil, muito pelo contrário, isso porque nos desconcentramos com facilidade. Manter o foco em Deus numa oração ou mesmo estar plenamente atento à missa é quase impossível, isso porque somos falhos, temos a mente repleta de preocupações, rancores, ressentimentos, sensualismo, inveja, inimizades ou mesmo a preguiça. O pecado nos torna escravos da matéria e suja a nossa consciência. Uma consciência limpa é uma mente serena, e uma mente serena é capaz de domar os mais fortes instintos de nossa carne, suportando até a dor física. Uma mente serena é capaz de realizar tudo, pois não perde tempo com preocupações nem com ressentimentos.
Até mesmo no meio social, em nossas relações com nossos irmãos terrenos, cultivamos muitos pecados e criamos inimizades e sentimentos vagos. Se não perdoamos a quem nos ofendeu, como teremos coragem de pedir perdão à Deus? Como disse Jesus: "Portanto, se trouxeres a tua oferta ao altar, e aí te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa ali diante do altar a tua oferta, e vai reconciliar-te primeiro com teu irmão e, depois, vem e apresenta a tua oferta." (Mateus 5:23-24). Saiba mais sobre o perdão clicando AQUI
Como bem podemos entender, ninguém peca por faltar a missa, por esquecer de fazer o sinal da cruz, por deixar de comprar um objeto sagrado, por beber ou comer alguma coisa, etc., pois nenhuma dessas coisas é essencial para o que temos no mais profundo do nosso coração. Um terço é um ótimo instrumento de devoção, mas o que adianta ter um terço e usá-lo somente de enfeite? E o que adianta rezar o terço mas de forma puramente mecânica, sem uma profunda devoção? Um objeto como o terço não vai livrá-lo do pecado, mas, quando bem usado, pode auxiliar bastante a fortificar a nossa alma.
O pecado concerne diretamente à nossa alma, não à matéria e nem ao dogmatismo. Era essa a principal crítica que Cristo fazia aos fariseus. 
Somente sem as distrações do pecado prosseguimos para a Theosis. Podemos usar imagens, velas, símbolos, incenso, cânticos, mantras, tudo para nos ajudar na concentração, e mesmo assim é muito difícil e não devemos ficar dependentes dessas artificialidades. Um cristão está sempre se lapidando, limpando-se dos pecados que o atrapalham de alcançar a santificação, ou seja, a perfeição celestial.

O pecado e as obras

"Ame o próximo como a si mesmo". Por acaso o rancor, a inveja e a indiferença ajudaria a nos amarmos? Matar, cultivar pensamentos vingativos e fazer discurso de ódio se assemelham ao amor? E se há amor em nós, como nos livramos da hipocrisia? O cristianismo preza muito as questões sociais e nossas atitudes perante o mundo que nos rodeia. Por essas e outras o pecado atinge a nossa própria vida e também a vida de outras pessoas próximas à nós. Quantas vezes nos sentimos tristes pelo que o outro nos chamou, ou descontamos a raiva em alguém, assim como alguém descontou sua raiva em nós? O pecado contagia, mas a virtude também, por isso devemos cultivar as virtudes para extirpar os pecados.
Contudo, não devemos confundir a virtude com o mais ofuscante dos pecados: o orgulho. "Tenham o cuidado de não praticarem os seus deveres religiosos em público a fim de serem vistos pelos outros. Se vocês agirem assim, não receberão nenhuma recompensa do Pai de vocês, que está no céu." (Mateus 6:1).
Se somos caridosos, temos como finalidade o próximo, e não nosso próprio ego.
Nossos pecados agem da forma mais sutil possível, e todos nós somos passíveis a cometê-los antes mesmo de chamarmos a nós mesmos de cidadãos de bem. "Por que você repara no cisco que está no olho do seu irmão e não repara na trave que está no seu próprio olho?" (Mateus 7:3). Devemos, portanto, ficar atentos quanto à hipocrisia nossa de cada dia.
As maiores inimizades surgem de pequenos atos, pequenos atos que podem desencadear transgressões terríveis. Se os pecados surgem de pequenos atos, as virtudes também, pequenas gotas de água que aos poucos enchem uma piscina inteira, obras que parecem insignificantes mas, além de fazer o bem, influenciam mais pessoas a fazer o mesmo. "Assim, brilhe vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem vosso Pai que está nos céus." (Mateus 5:16).

Resistindo à tentação

Renunciar aos pecados não é fácil, por isso muitas técnicas são utilizadas. Além da constante meditação e leitura orante, há também a prática da mortificação, ou seja, acostumar o corpo físico com a falta de qualquer privilégio e conforto, prezando a abstinência e o jejum, afastando a gula, a preguiça e a luxúria. Muitos ascetas usavam a dor física para ajudar na mortificação, usando o cilício e outros instrumentos considerados obscuros nos tempos carismáticos atuais. Muitos também se retiravam para os desertos, se distanciando severamente dos desejos físicos que atrasam o desenvolvimento espiritual.
A estádia de Jesus no deserto por quarenta dias foi uma verdadeira autopreparação (não que Jesus precisasse disso) para o seu ministério. Jesus jejuava, meditava, orava e não tinha nenhum lugar confortável para ficar. O Diabo (nosso próprio ego) o tentava com o comodismo e os prazeres do mundo, aproveitando sua possível vulnerabilidade. A tentação era grande, mas mesmo assim Jesus prosseguiu sua senda iniciática sem se render ao pecado. Qual de nós resistiria no deserto? Não podemos ser reféns de nossos instintos. A mente deve dominar corpo, e não o contrário. Uma mente que sabe controlar as vontades do corpo, é capaz de controlar tudo a sua volta.

A conversão de São Cipriano

Cipriano, o feiticeiro, buscava sempre o poder maior, e usava esse poder para alimentar sua ganância espiritual e material. Sua biografia é mistificada e cheia de fantasias, convenhamos, mas ainda sim todo mito tem sua moral. Um dia, um de seus clientes, Áglede, pediu a Cipriano o que chamamos de feitiço de amarração, para que a jovem Justina se apaixonasse por ele. Justina era uma jovem cristã que vivia uma vida de ascese e castidade. Cipriano não tardou a usar seu conhecimento mágico para enfeitiçar a dama, com a ajuda de entidades malignas, contudo Justina era imune a todas as investidas do feiticeiro. Nem os mais poderosos demônios conseguiam influenciar a jovem.
Podemos usar medalhas de São Bento, água benta, Medalha Milagrosa, vela consagrada, etc., mas tudo isso é material de apoio ou é completamente inútil se for usado apenas por superstição. Se não trabalharmos o nosso interior, isto é, se continuarmos investindo no pecado, de nada vale esses objetos, mesmo sendo consagrados. A verdadeira magia se encontra em nosso interior, em nossa mais pura vontade, só assim resistiremos a toda influência maligna.
Ah, e o que aconteceu com Cipriano? Se desiludiu, abandonou a vida que tinha e se converteu.

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