Como se alcança a salvação?

A Salvação não é privilégio de alguns, mas é oferecida a todos os que têm "as mãos limpas e o coração puro" (Sl 24:4). O caminho iniciático cristão é chamado de Via Cardíaca, o caminho do coração, caminho esse onde os adeptos buscam uma auto-realização, uma transformação interior. É isto o que Cristo nos propõe, não uma adoração cega, mas sim uma transformação interior, pois "o Reino de Deus está dentro de nós". Esta é a essência do cristianismo!
Nosso coração é como uma joia de grande beleza, que se encontra incrustada em uma enorme pedra bruta. Devemos, pois, lascar esta pedra para encontrarmos a joia que brilha no interior dela.

"Puro como o mais fino ouro, firme como uma rocha, completamente límpido como o cristal: assim deve ser teu coração." (Angelo Silesio)

É do coração que expressamos nossos sentimentos mais puros. No Evangelho de Lucas afirma que Maria guardava alguns momentos com seu filho, Jesus, em seu coração. Simeão profetizara que a tristeza transpassaria o coração de Maria como uma espada, por isso seu Imaculado Coração é simbolizado com uma espada transpassada. Jesus, em suas pregações, falava a respeito do coração sempre que podia: "Tudo o que vem de fora e entra numa pessoa não faz com que ela fique impura, mas o que sai de dentro, isto é, do coração da pessoa, é que faz com que ela fique impura" (Marcos 7:15).
É no nosso coração que depositamos nossos sentimentos negativos e positivos. Na tradição cristã o simbolismo do coração pode ser visto no Sagrado Coração de Jesus e de Maria, na iconografia de Santo Agostinho, de São Tomás de Aquino, de Santa Catarina de Siena, de Santa Teresa D'Ávila e de outros santos místicos, assim como também no símbolo de Lutero, de Jacob Boehme e muito mais.

A tradição mosaica do Antigo Testamento estabelece uma série de regras fúteis a serem seguidas para estar em comunhão com Deus, como a circuncisão, guardar o sábado, sacrificar animais, deixar de aparar a barba e diversos rituais vazios de purificação, além de limitar a salvação para uma etnia específica, isto é, o povo hebreu. O sábado hebraico era guardado para Deus, não se podia nem curar pessoas no sábado, mas Jesus se opôs a esta tradição, afinal, que tipo de Deus negaria a cura de um de seus filhos independente do dia da semana?
"Eu pergunto a vocês, o que é que a nossa Lei diz sobre o sábado? O que é permitido fazer nesse dia, o bem ou o mal? Salvar alguém da morte ou deixar morrer?" (Lucas 6:9).
Aliás, o melhor meio de servir a Deus é servir ao próximo, por isso Jesus diz que "o sábado foi feito para servir as pessoas, e não as pessoas para servirem o sábado." (Marcos 2:27).
O cristianismo, conforme foi se descentralizando da tradição judaica, ganhou valores mais universais, se adaptando a todas as culturas, ignorou a circuncisão, ignorou muitos rituais com propósitos vazios e ampliou a salvação para todos os que estivessem dispostos a se converter, independente de raça, gênero, aparência, origem e classe social. O que vem do coração é mais importante do que a aparência da pessoa, o que vem do coração é mais importante do que qualquer dogmatismo vazio. Esta é a essência do verdadeiro cristianismo, a aplicação do verdadeiro Ágape.


O caminho do coração no catolicismo

O catolicismo, seja romano ou ortodoxo, possui valores preciosíssimos, possui uma ampla vairedade de meditações e orações que exaltam a alma do adepto e agradam o Deus que está dentro de cada um de nós. Os rituais e práticas possuem um efeito grandioso para quem realmente entende seu significado e vive a liturgia, mas quem realmente vive a liturgia? Muito do que vemos são católicos que buscam entender o que é pecado e o que deixa de ser pecado, como se pecado fosse uma lista objetiva e infatil do que pode ou não fazer. Vemos muitos católicos que partcipam da missa, participam de terços e novenas, mas não aprofundam em nada do que praticam, apenas repetem palavras que não entendem e acham que viver na superficialidade do ritual é o bastante para "ir para o céu", tratando Deus como uma máquina que calcula todas as vezes que participamos da liturgia, e não quem realmente viveu a Palavra.
Quando Jesus criticava os fariseus, ele criticava justamente essa atenção irracional aos rituais e a falta de conhecimento sobre eles, pois muitos fiéis apenas faziam (e ainda fazem) apenas por fazer, apenas porque o líder diz que é certo, mas não entendem o porquê se deve fazer, não entendem e não se aprofundam na fé, vivem apenas na superficialidade. 
Rituais tem a sua importância, objetos sagrados tem a sua importância, mas o verdadeiro cristão não deve dar prioridade a tais coisas, pois estas coisas nada mais são do que um auxílio para direcionarmos a nossa fé, mas nunca é a nossa fé propriamente dita. A verdadeira fé habita dentro de nós, e não fora de nós, afinal, o que importa é fazer uma oração memorizada com palavras requintadas ou o que importa é expor os nossos mais sinceros sentimentos numa oração? Deus não ouve palavras criadas pelos mortais em suas sociedades, mas sim o sentimento que cultivamos em nosso coração, pois o sentimento é sincero e universal, as palavras não.


O caminho do coração no protestantismo

O protestantismo também tem seus obstáculos no que se refere ao caminho do coração. Apesar de ser muito mais livre na oração e contemplação, as linhas mais pentecostais do protestantismo tem o péssimo hábito de julgar o próximo e eliminar qualquer vestígio de cultura alegando ser "obra do Diabo". 
Desde os primórdios o cristianismo vem com a proposta de se adequar às diversas culturas, como fez o apóstolo Paulo em Éfeso, mas a maioria das linhas do pentecostalismo quer destruí-las e demonizá-las, alegando que o mal está nas outras culturas e religiões, quanto na verdade não percebem que o mal existe independente de cultura e religião, inclusive na própria igreja, com pastores acusados de esquemas milionários de corrupção, abusos, cobiça, intolerância e outros tantos verdadeiros pecados.
Muitas igrejas acham que para ser cristão tem que imitar os antigos judeus, usar o melhor terno na igreja, queimar terreiros de candomblé, ferir praticantes de outras religiões, se afastar do "mundo", tirar conclusões ao pé da letra do livro do Apocalípse e proferir profecias de todo o tipo... mas esquecem que o verdadeiro cristão é aquele que segue o caminho das virtudes e tem a humildade de se redimir de todos os seus pecados, dos seus verdadeiros pecados: o desamor, a intolerância, a indiferença, etc. Muitos acham que estão agradando a Deus sendo intolerantes, mas não percebem que o verdadeiro pecado pode estar na própria igreja, com os sentimentos de inveja entre um irmão e outro, irmãos que traem suas esposas, irmãs que traem seu marido, fiéis que vão à igreja todo dia mas quando chegam em casa se enchem de vaidade, ambição, soberba, estresse, raiva, etc., briga com a família, almeja uma vida de luxo, nunca está satisfeito(a) consigo mesmo(a). 
Jesus por acaso foi condenado à cruz por aceitar esse tipo de comportamento? Ele foi condenado à cruz por pregr a intolerância, por impor um modo de se vestir e fechando os olhos para os erros de seus irmãos, assim como faziam os fariseus? Não, muito pelo contrário: ele foi condenado por aceitar as diferenças, por revelar a hipocrisia dentro da religião, por dizer que qualquer pessoa pode ter bondade ou maldade independente de origem ou religião, e por pregar a igualdade e o respeito entre todos. 

Seja protestante ou católico, a maioria dos religiosos de hoje agem como fariseus, se vangloriam de seus títulos mas não vivem a fé na prática. Enchem a boca pra falar o quanto são religiosos, mas na prática são fundamentalistas ou hipócritas que se afastam do ideal de Jesus. Mas obviamente também existem excelentes igrejas e excelentes irmãos, sejam católicos ou protestantes, ou até de outras religiões.


O Deus de Jesus não é um ditador!
O Deus de Jesus é um Deus que quer miséricórida e não sacrifícios. "Os sacrifícios para Deus são o espírito quebrantado" (Sl 51:17).
O Deus de Jesus é um Deus que não julga o próximo senão por aquilo que ele guarda no coração. Títulos mundanos não significam nada para Cristo. Um sacerdote, por exemplo, pode estar cheio de pecados do orgulho, da ganância, da inveja, porém, um ladrão arrependido pode estar mais próximo de Deus, pois ele propôs uma autocrítica, olhou para seu interior e se descobriu pecador, se arrependendo do seu passado para que possa se libertar e procurar o caminho certo rumo à perfeição cristã.
Não é matando um animal que seus pecados estarão limpos (como faziam os hebreus). Não é meramente indo à igreja toda semana que os seus pecados estarão limpos. Se livrar dos pecados requer um intenso trabalho sobre nós mesmos, um intenso trabalho em nosso interior. Se livrar dos pecados requer humildade para sabermos que erramos e uma disposição de mudar nossas atitudes. Também não é indo em uma igreja em detrimento de outra que vai te fazer santo. A santidade só se alcança com um intenso trabalho, servindo ao próximo e tendo um coração manso e humilde como o de Jesus.
O Deus de Jesus se encontra dentro de cada um, em cada gesto de amor.

Concluindo, o nosso coração é dominado pelos pecados, pelos valores mundanos, pela indiferença e todo mau sentimento. Não é um ritual, um objeto "sagrado" ou qualquer meio externo que vai nos tornar santos, nem mesmo um título honorífico ou um pastor milagreiro, mas sim o constante treinamento de nosso coração, a lapidação de nossa própria alma.
Os valores externos, como rituais, rezas prontas, novenas, litanias, medalhas, água benta, terço, komboskini, etc. são ótimos instrumentos de devoção, mas não são poderosos por si só, são apenas veículos que, quando usados corretamente, desencadeiam um grande poder. Para isso, é necessário a chave que desencadeia este poder. Qual é essa chave? "Os fariseus e os escribas tiraram a chave do conhecimento e a ocultaram. Nem eles entraram nem permitiram entrar os que queriam entrar." (Tomé: 39).
No capítulo 13 da primeira carta de Paulo aos coríntios fica bem explícito do que se trata essa chave: o Amor! O amor é a chave, o Amor é a verdadeira Vontade Divina latente no mais íntimo de nosso coração. Com o coração cheio de amor, nada no mundo vai nos abalar. Para isso, devemos trabalhar nossa alma, praticar a fé e as obras, meditar e orar constantemente, perdoar o próximo, reconciliar com nossos semelhantes, retirar os maus sentimentos de nosso coração e enchê-lo de virtude.

"O Reino de Deus está dentro de vós." (Lucas 17:21)

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